As árveres somos nózes
Que bobagem as rosas não falam, simplesmente as rosas exalam, o perfume que roubam de ti. (Cartola)
A ideia deste texto veio após a leitura do livro A vida Secreta das Árvores, escrito por Peter Wohlleben, engenheiro florestal. No livro são descritas diversas pesquisas a partir da análise de árvores ao redor do mundo, concentrado nas florestas europeias, principalmente na região próxima a Alemanha.
O título deste texto remete a um dos primeiros memes de áudio a viralizar na internet.
Aproveito para compartilhar uma frase do biólogo evolutivo Richard Dawkins, criador do conceito de meme, (ideias e conceitos que se espalham feito vírus), isso em 1976, no seu livro O Gene Egoísta:
“A natureza não é justa, a natureza não é inteligente, ela apenas responde a mecanismos evolutivos.”
Tive a oportunidade de ver a palestra de Dawkins em 2015 no Fronteiras do Pensamento. O tema daquele ano era “Como viver juntos - num mundo cada vez mais urbano e conectado”. Ele trouxe exemplos da natureza e o equilíbrio que ocorre, em algum momento, no convívio entre seres no mesmo ambiente.
Um dos casos que ele apresentou está relacionado as árvores e sua busca por alimento, que só é possível conseguir, ou processar, na fotossíntese, que depende de luz.
Quanto mais alta for a árvore, maior incidência de luz ela estará exposta e mais alimento ela obterá. Só que suas concorrentes também estão disputando o espaço iluminado, a sombra pode significar a morte. Mas há um limite de altura, se as plantas ficarem cada vez maiores, para disputar a luz do sol em uma floresta, chegará um momento que ela não conseguirá enviar alimento para o restante da sua estrutura, não chegará água e nutrientes ao seu topo e ela se tornará frágil a tempestades e ventos.
Voltando ao livro
Wohlleben nos leva a pensar, plantas se comunicam, tem memória, sentem, interagem?
Lembro de ter aprendido no colégio, que plantas absorvem água e nutrientes pelas raízes, realizam fotossíntese e absorvem CO2, gás carbônico, enquanto expostos a luz, gerando glicose e liberando oxigênio.
Também aprendi que plantas podem gerar truques que as beneficiam, como aromas e sabores que atraem insetos para polinizar sua espécie, ou então animais que carreguem suas sementes para outros locais.
No livro tem uma definição que gostei bastante:
Plantas consomem alimentos não vivos.
Animais consomem alimentos que um dia foram vivos.
Fungos se alimentam dos dois tipos, não vivos e que um dia foram vivos.
Comunicação
Lembrando a definição de comunicação. Ela é composta de um emissor, um receptor, um meio, ou canal, e uma mensagem.
O emissor gera uma mensagem para um receptor através de um meio.
Segundo o livro a maioria das mensagens das plantas são químicas, aromas ou sabores, em alguns casos as raízes podem trocar informações elétricas. Isto pensando em comunicação com outras plantas.
Há casos em que a planta pode enviar mensagens para ela mesma, pelo caule e ramos, para outros locais de sua estrutura, mas tudo é muito lento no mundo dela. Essa comunicação pode demorar minutos por centímetros. Para acelerar o processo algumas espécies usam o ar como meio, ou canal, geram um aroma em determinado galho, que propagado pelo ar, será recebido em outro ramo.
O que as plantas falam e com quem?
Elas falam com predadores, animais parceiros, plantas amigas e inimigas.
Na savana tem uma espécie, que ao perceber que uma girafa está comendo suas folhas, libera uma toxina que deixa seu gosto amargo. Ao mesmo tempo libera um sinal olfativo para avisar as plantas próximas que existe um predador e elas também liberarão a toxina para deixar suas folhas amargas. As girafas espertas irão tentar plantas mais distantes, que não conseguiram receber a mensagem, limitada pelo raio de ação do aroma liberado no ar.
Elas podem gerar aromas para atrair animais que irão polinizá-las, animais que irão se alimentar de pragas que a estão ameaçando. Existe um sistema bastante complexo de comunicação e interlocutores.
Memória
Plantas tem uma reação muito lenta, então é muito difícil realizar experimentos. Mas tem uma plantinha chamada mimosa ou dormideira, eu conheço por morre-morre, aquela que quando tocada se fecha rapidamente.
Foi realizado um experimento onde se pingava uma gota d'água, em um intervalo de tempo, e a planta dormideira se fechava a cada pingo, porém, depois de um tempo ela parou de fechar, como se assumisse que este evento fosse normal. Ela parou de reagir a um fato cotidiano, como se tivesse memorizado, se acostumado a este evento.
Sentimentos
De tanto ler o neurocientista António Damásio, internalizei a diferença entre emoções e sentimentos. Emoções são instintivas e estão associadas a respostas físicas, alegria, raiva, tristeza, medo, nojo. Já os sentimentos são manifestações complexas, que não podem ser analisadas por manifestações físicas, pois são misturas de emoções e combinadas com características de cada indivíduo.
Uso aqui a expressão sentimento como sentir algo, fome, sede, dor. Quando a planta se torna amarga para uma girafa é porque ela sentiu algo. Se ela começa a diminuir os brotos diante de uma seca, é porque ela percebeu a falta de água.
Podemos imaginar que isto seja apenas programações químicas, mecânicas, das plantas. Diferenciamos assim os sentimentos das plantas dos animais porque imaginamos que elas não têm um cérebro, um sistema nervoso. Só que muitos seres vivos, considerados animais, também não tem um cérebro ou sistema nervoso. Esquecemos que algumas reações dos humanos também são químicas e mecânicas, mas que também são informadas para o cérebro, gerando dor e um conjunto maior de reações para estes eventos.
A questão de comparação de sentimentos entre plantas e animais não está só relacionado ao conjunto muito mais complexo de certos animais. Temos que entender que a base dos sentimentos, (mecanismos que visam a sobrevivência), são iguais para todas as espécies. Tendemos a pensar que os humanos sofrem mais, depois animais domesticados, mamíferos…, insetos, e lá no final as plantas. Será que ao deixar suas folhas mais amargas para as girafas e exalar um aroma no ar para avisar suas semelhantes, as plantas não estariam sentindo uma imensa dor? No mínimo elas estão tentando preservar sua vida.
Partilhamento
Voltando ao biólogo evolucionista Richard Dawkins. No já citado livro O Gene egoísta, o autor cria uma grande metáfora onde todos os seres vivos só têm um objetivo, se reproduzir. Dos seres unicelulares até os mais evoluídos, ou nós, humanos. O único objetivo é a manutenção dos genes e sua perpetuação. Os seres vivos são apenas fantoches dos genes.
Dentre inúmeros temas, muitos polêmicos, ele afirma que a solidariedade e o altruísmo são frutos do egoísmo dos genes. Mesmo que um dos seres morra, o importante é que a espécie como um todo sobreviva, ou seja, o gene que caracteriza a espécie, sobreviva. Segundo Dawkins, quando um ser humano dá sua vida para preservar a de outros, ele está sendo manipulado pelos genes para preservar a espécie. Como falei é uma metáfora e muito controversa, característica do autor britânico.
Todos os seres vivos têm DNA e consequentemente genes, que são as linhas de programação que definem uma espécie, é o que garante a reprodução da espécie de modo sempre igual.
No momento que uma planta gera um sinal de alerta no ambiente avisando a suas parceiras da mesma espécie, ou mesmo espécies diferentes, que existe uma ameaça a sobrevivência delas, ela está sendo solidária?
Velocidade
Só consegui ter uma noção da percepção de velocidade vendo um episódio do seriado Jornada nas Estrelas, aquele do Dr. Spock clássico (Leonard Nimoy). Neste capítulo, os personagens estavam em dimensões diferentes. Para cada dimensão era apresentado o ponto de vista na velocidade “normal”, os lentos não conseguiam ver os personagens da outra dimensão, ultrarrápida, de tão ligeiro que se movimentavam. Já a visão dos ultrarrápidos, era de seres congelados, como estátuas, dos personagens da dimensão lenta.
A vida de árvores pode chegar a milênios, normalmente se mede a idade delas pelo número de anéis formados no seu tronco. Algumas com 200 anos são consideradas jovens.
CO2
No processo de fotossíntese, as plantas (fotossintéticas), quebram o CO2, liberam o oxigênio e utilizam o carbono como alimento, muito dele se transforma em estrutura, ou madeira.
Ouvi em algum lugar, não no livro tema desta postagem, que uma das melhores formas de retirar o CO2 da atmosfera seria, cada vez mais utilizarmos objetos, casas, móveis, feitos de madeira de reflorestamento. E mantermos o máximo de florestas, pois além de manter o carbono encapsulado nos objetos, as florestas estariam liberando oxigênio.
Não sei se seria uma solução, mas ajudaria. Um dos problemas é que extraímos e liberamos carbono na atmosfera em forma de gás carbônico, seja de material que estava isolado em poços de petróleo ou na queima de material orgânico. Não fazemos um processo de ciclo fechado, estamos sempre acrescentando CO2 no ambiente, que estava quieto em algum lugar.
Fungos
Não vou me aprofundar no assunto que é muito complexo e é muito bem apresentado no documentário da Netflix, Fungos Fantásticos. Como dito no início, fungos não são considerados nem animais nem plantas. Eles são os grandes catalizadores da natureza, permitindo a comunicação entre plantas, como se fosse a internet. Permitem a troca de nutrientes entre árvores e vegetais e decompõem materiais orgânicos gerando alimento para animais e plantas.
Infância restrita
Em florestas fechadas a tendência é que uma árvore gere pouca descendência, poderíamos chamar de filhos? Esta prole nasce e cresce logo abaixo da sua mãe, recebe pouquíssima luz na sua infância, devido à sombra da árvore que a gerou. Esta infância pode durar séculos. E a carência de luz, que é a energia para gerar o seu alimento, faz com que a plantinha não cresça muito rápido e utilize ao máximo a pouca energia existente, gerando um tronco bastante reforçado. Depois de muito tempo, uma das plantas maiores ao seu redor irá morrer e parar de fazer sombra. A planta jovem receberá muita luz e poderá crescer num ritmo muito grande, mas com firmeza, pois as restrições anteriores permitiram que seu caule, sua estrutura, fosse firme.
Essas espécies, quando recebem muita luz desde os primeiros anos de vida, crescem muito rápido, sem desenvolver uma estrutura sólida, sem um caule resistente ou raízes firmes. Esta é a técnica de reflorestamento, fornecer o máximo de luz e nutrientes para o desenvolvimento mais rápido possível, porém a madeira não será tão nobre.
Vejo aqui uma grande metáfora para humanos. Restrições na infância a certos alimentos, (ultraprocessados), ou material tecnológicos, celulares, tablets, uma infinidade de estímulos, por brinquedos e experiências, pode gerar adultos mais estruturados. Aqui não falo, sob hipótese alguma, em algum tipo de violência, seja física ou emocional. As restrições seriam em estímulos e alimentos não indicados para jovens, criando adultos mais preparados para enfrentar o mundo real.
Diversidade
Quanto mais diversidade em uma floresta maior sua saúde como um todo.
Sempre que há a predominância de uma ou duas espécies o todo fica instável, uma praga tem maior potencial de destruição. Onde há menos diversidade de fauna, fungos, o ecossistema ou a homeostase da floresta se torna frágil.
Podemos pensar em outra metáfora aqui, com comunidades. A predominância de determinado pensamento, ou duas ideologias conflitantes fazem mal para o todo. O preconceito ao que é diferente ou a imposição de ideias por outra parte deixam a comunidade frágil.
Aqui tenho uma semente para um novo texto, podemos extrair do pensamento de Aristóteles “Virtude é um equilíbrio entre dois extremos instáveis e igualmente prejudiciais” ou “O Bem é o centro entre males opostos”. O mal da polarização atual está entre o preconceito com o que é diferente, e do outro lado, a imposição do diferente para a maioria, mas este é assunto para outra publicação.
As fotos são minhas e uma imagem foi gerada por IA.
Aqui link para uma playlist de músicas, ou bandas, que tem algo relacionado ao post, em seus nomes ou letras.
Plantas
"Infância restrita" me soou como uma seleção natural ao contrário, ou seja, perpetua-se o mais fraco.
"Diversidade" endossa a "Infância..."; se ja pensam por eu, pra que pensar? Divergir então?