Pessoas que passam por situações extremas, experiência de quase morte, perda de alguém ou algo muito importante, relatam que repensam a sua vida. Algumas mudam de comportamento e o modo como encaram situações a partir daquele momento.
Outros argumentam que situações extremas coletivas, como uma guerra, catástrofes, podem mudar o comportamento do grupo, gerando união, solidariedade.
Imaginei que, no início da pandemia, algo coletivo poderia aflorar. Um senso de grupo em função de uma desgraça comum. Pensei que poderia ser o momento de reinicializar comportamentos e atitudes. Momento de ver que a correria que estamos acostumados a aceitar, do estresse, da busca de algo que não sabemos direito, poderia ser diferente. Buscar coisas simples que nos dão o verdadeiro prazer ou propósito.
Não demorou para eu ver que muita coisa estava no sentido contrário ao que imaginei. A polarização política gerou mais desunião, o trabalho em casa diminuiu o tempo livre e aumentou a ansiedade. O trânsito não melhorou, o comportamento invasivo de não manter distância em filas, uso correto de máscaras, não foi obedecido.
O que percebi; a pandemia só serviu para acelerar comportamentos. Como um catalizador em uma reação química, um centrifugador no processo de separação de partículas.
Tive o relato de pessoas próximas que falaram estar dando mais valor à vida, aos elementos básicos, amizade, família, pequenos prazeres. Notei em outras pessoas, angústia, raiva, desnorteamento, imediatismo. Foi aí que percebi que, independentemente da atitude, essas pessoas ou já estavam nesse caminho, ou tinham isto dormente. Então, na realidade, a pandemia só acelerou esse processo.
Poucos mudaram de sentido, talvez quem teve uma perda próxima, ou mesmo uma hospitalização. Os outros apenas apressaram o passo no caminho que vinham trilhando, para o bem e para o mal. A minha esperança desandou e o meu ceticismo se fortaleceu.
Se eu mudei? Não sei, acho que acelerei o passo no meu caminho. Além da pandemia, tinham outros fatores que estavam caminhando para pequenas guinadas na minha vida.
Mas percebo que tive outras alterações. No campo cultural, me vi mais próximo do que se chama LoFi, o inverso do HiFi, designnação que vinha nas características de aparelhos de som: HiFi ou High Fidelity, Alta fidelidade.
O que chamo de LoFi, ou Low Fidelity, não é uma baixa fidelidade de som, não só isto. É uma baixada de bola, fazer simples. Normalmente músicas com violão e voz, muitas vezes quase faladas, se tiver bateria ela é simples, com suspensão, como se tocada em um assoalho de madeira meio solto, meio que buscando a eliminação de um baixo.
O famoso minimalismo. Tanto se fala em minimalismo, como algo libertador, mas tudo não passa de mais um elemento do marketing existencial. Eu acho que o senti de um modo mais real.
Junto veio a tristeza e um lado meio soturno. Me vi indo mais fundo no estilo chamado de trip hop, que foi forte nos anos 90. Ruídos mesclados com sons meio etéreos, vozes femininas e um lado taciturno, melancólico.
Criei uma seleção musical onde coloco as canções que mais escutei nesta época, um pouco LoFi, trip hop, dream pop, um tanto triste, melancólico, outro tanto alegre, ou pelo menos que me deram um certo conforto neste momento.
Certamente todos tiveram experiências diferentes durante a pandemia, alguns tiraram coisas boas, dentro do possível, outros eliminaram coisa ruins. Alguns perderam entes próximos, alguns se aproximaram, outros se separaram.
Aparentemente passou, e a minha percepção é que poucos pararam para fazer um balanço.
O tão aclamado “novo normal”, parece ter sido esquecido.
Já vinha lendo algumas coisas que falam sobre vivermos em um mundo inconstante, a teoria do absurdo de Albert Camus. A ilusão da ordem em um ambiente caótico, seja em autores atuais ou na cultura milenar oriental.
Mesmo agora não acreditando que aquelas rotinas de enclausuramento, cuidados, medos, foram reais. Sinto que mudei um pouco, ou solidifiquei algumas coisas.
Acho necessário sempre lembrar deste momento, analisar como nos comportamos, o que poderíamos ter feito diferente e principalmente lembrarmos das possíveis promessas que fizemos na busca de sermos melhores.
Vou compartilhar algumas músicas, filmes e livros, não sobre pandemia, mas obras que eu acho que tem a ver com o momento, pelo menos para mim. Alguns falam de perdas, situações extremas, mas tudo com uma certa leveza, como interpreto o que chamo de LoFi ou minimalismo.
Músicas:
Livros:
A Peste, Albert Camus. Ficção de 1947 que descreve eventos e comportamentos vistos durante a pandemia.
O sonho de um homem ridículo, Dostoiévski. Conto que nos faz refletir sobre utopias e como podemos ser o agente desagregador desse desejo.
(em tempos de reclusão), Armando Severo. Reflexões poéticas de um amigo sobre o período.
Série:
Normal People, Sally Rooney. Pode ser encontrado como livro ou série, aconselho os dois. História de pessoas deslocadas que tentam encontrar seu espaço em um ambiente que lhes é estranho, as vezes conseguem, mas nunca de um modo confortável.
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https://www.youtube.com/watch?v=3s25BmkzzFw