Problemas e soluções
Normalmente problemas geram soluções e provavelmente estas soluções gerarão novos problema.
Os carros elétricos são vistos como solução para a poluição gerada pela queima de combustíveis fosseis. Alguns problemas decorrentes desta troca já são citados. A necessidade de gerar mais energia elétrica, possivelmente com queima de combustíveis poluentes ou então pelo desiquilíbrio ecológico de mais hidrelétricas, campos de coleta solar ou eólica e o descarte das baterias. Mas tem um problema que não ouvi falar por enquanto – A demanda de energia em determinados horários e locais.
Quando trabalhava com automação industrial, participei de projetos de extração de combustível, nas plataformas de petróleo e gás do pré-sal. Geração de energia em hidrelétricas e controle de demanda.
O que é demanda sob o ponto de vista energético? Se pensarmos em um prédio, a maioria dos apartamentos terá chuveiros elétricos, ares-condicionados, ferros de passar, grills, panelas elétricas. Isso para falar dos maiores consumidores de energia. Se todos estes equipamentos fossem ligados, por todos os moradores, ao mesmo tempo, seria o caos. Os sistemas de segurança atuariam, e se não funcionassem, os fios, transformadores, queimariam.
É impossível dimensionar, fios, disjuntores e transformadores pensando que todo mundo irá ligar todos os equipamentos ao mesmo tempo, por isso existe um cálculo de demanda, um valor médio de consumo previsto. Seria algo como imaginar que todos os carros de uma região iriam para a estrada, no mesmo horário, em direção a outra região. Alguns já vivenciaram isso em algum feriadão em direção à praia.
Se prevíssemos a demanda pensando no pior caso, as estradas teriam que ter incontáveis vias, a um custo de construção e manutenção muito alto. E na maioria do tempo teriam uma taxa de utilização extremamente baixa. No caso de eletricidade, seria o mesmo, superdimensionamento que geraria custos muito altos sem necessidade.
Mas o que os carros elétricos e híbridos podem causar de problema na geração e distribuição de energia?
Imagino que, pelo menos eu faria assim se fosse proprietário de um veículo elétrico, ao chegar em casa ou prédio, eu conectaria o carro na tomada para carregar durante a noite.
Um carro elétrico médio tem baterias em torno de 50 Kilowatt hora, um híbrido, 8 Kw hora, lembrando que estes dados mudam de acordo com modelo do carro e sua autonomia. E, ao colocar para carregar nem sempre a bateria estará totalmente vazia.
Para falar de carregamento de baterias é preciso levar em conta muitos dados técnicos, de instalação elétrica disponível, características da bateria, tensão, corrente e potência. Além disso o mercado está se ajustando e baterias evoluindo a cada dia. Por isso tentarei fazer algumas considerações do modo mais simples possíveis.
Um chuveiro elétrico médio, na posição quente, consome 5 Kw hora, ou seja, um carro totalmente elétrico poderá corresponder a 10 chuveiros, alguns carros maiores podem equivaler a 18 chuveiros (90 Kw hora). A unidade de potência kilowatt, ou Kw, tem o dado “hora”, justamente porque o consumo varia de acordo com o tempo de carga ou utilização. Assim como, para encher um balde de água depende da vazão da torneira, para a carga da bateria depende da “vazão” da tomada, quanto a bateria já tem de carga e qual o limite de velocidade de carga dela. A maioria das pessoas já está acostumado com esses dados pelo carregamento de celulares.
Uma das grandes buscas para as baterias é a possibilidade de cargas mais rápidas.
Vou criar simulações prevendo a carga de baterias de 50 Kw hora em cargas de 1 hora e 10 horas.
Supondo que um banho num chuveiro elétrico dure 15 minutos, ou um quarto de hora. A energia para carregar uma bateria de um carro elétrico corresponderia a 40 banhos.
Para uma carga rápida corresponderia a 10 chuveiros ligados ininterruptamente por uma hora.
Para uma carga normal (10 horas) equivaleria a 1 chuveiro ligado por 10 horas.
Supondo um prédio de 40 apartamentos onde metade dos proprietários tivessem um carro elétrico e o colocassem para carregar no mesmo horário, aliado a isto muitos moradores estivessem com o ar condicionado ligado, mais alguns possíveis banhos com chuveiro elétrico, outros utilizando um forno elétrico, fogão elétrico ou a indução. Haveria uma demanda muito mais alta do que é previsto hoje, onde carros deste tipo ainda não são uma realidade, mas poderão ser em 5, 8, 10 anos?
Lembremos que os cálculos de demanda de prédios, transformadores de rua, fiação, provavelmente não contemplem isso. Além das subestações, linhas de transmissão e geração de eletricidade.
Possíveis soluções:
• Colocar geradores nos prédios para auxiliar a demanda nos horários de pico, para não saturar as companhias fornecedoras de energia. Mas isso acarretaria voltar ao problema de queima de combustível, e não eliminaríamos um dos problemas que os veículos elétricos se propõem a resolver.
Carros com baterias cambiáveis, onde as unidades reservas ficariam carregando em horários de baixa demanda, ou mesmo através de energia gerada por coletores solares. Além de modificar os projetos dos carros, ampliaríamos o número de baterias que são poluentes no descarte e na produção além do custo extra.
Baterias fixas que acumulariam energia durante a baixa demanda e transfeririam a carga para o carro depois, o mesmo conceito do power bank de celulares, mas incorreria nos problemas do item anterior.
Postos de carga, como temos os postos de gasolina, porém eles usam a mesma energia que um prédio, as fontes geradoras são as mesmas. Se resolveria o problema de demanda de uma casa, prédio ou transformador de rua, mas não das subestações e transmissão das cidades.
Postos de carga que tenham geradores a hidrogênio, combustível ainda inviável comercialmente. Esse gás necessita de energia elétrica para ser processado, mas poderia ser produzido por eletricidade excedente em determinados horários, como madrugadas, ou época de cheias em usinas hidrelétricas e fontes eólicas ou fotovoltaicas. O hidrogênio pode ser considerado uma forma de armazenamento, pois transforma uma energia não estocável em grande escala, em combustível.
O ideal seria uma estação de carga autônoma, que fornecesse energia para carga de baterias através de coletores solares e eólicos e usasse o excedente para produzir hidrogênio, que seria utilizado nos horários de pico, ou falta dos outros recursos.
Sistema inteligente de carga, onde os veículos, o prédio, sistema de distribuição e produção de energia estariam conectados e trabalhariam de modo integrado. Um sistema que verificasse a carga total consumida na cidade, bairro, transformador mais próximo e no prédio ou residência. Liberasse a energia disponível para carga de carros de modo a não saturar nenhum destes componentes. Um grande sistema de controle de demanda interligado. Essa energia seria disponibilizada, de modo inteligente, para priorizar os carros com menor carga ou que tenham um determinado perfil de consumo. Este ambiente é possível, mas é muito caro e necessita que cada item do sistema esteja funcionando em sincronia e de modo inteligente.
Tentei resumir um assunto bastante complexo e que parece não estar previsto na agenda dos envolvidos, pelo menos por enquanto.
O fornecimento de energia elétrica já tem tido muitos problemas, seja pelo aumento de consumidores, equipamentos que consomem muita energia, secas que diminuem a geração hidrelétrica, extremos de calor ou frio que geram maior consumo para climatização de ambientes.
O motivo do texto é a relação entre problemas e soluções. Hoje temos uma aparente solução para a queima de combustíveis fósseis, mas outros problemas estão sendo gerados. Novas soluções serão criadas e novos problemas aparecerão. Assim é desde que nos conhecemos por gente (homo sapiens) e permanecerá, provavelmente, até o fim dos tempos.
A sensação de constância, estabilidade, segurança, é ilusória. Temos que sempre pensar à frente, achar soluções para os problemas atuais e futuros, que inevitavelmente acontecerão. Temos que investir em pesquisa de base, aquela que não tem um objetivo claro, pois nela que teremos insumos para solucionar problemas que ainda não conhecemos. Temos que acumular respostas para perguntas que ainda não foram feitas, como fala Charles Watson.
Um jeito de prever o futuro é olhar para o passado, e não se iludir com soluções definitivas, ou soluções simples para problemas complexos.
João Lourenço, um homem à frente de seu tempo. Lembrei do último controlador de demanda que eu fiz, para a Alcan, que eram varios controladores redistribuindo as cargas. Muito bom!