Abrindo Portas
Como abrir novos canais de comunicação ou as portas da percepção como escreve Aldous Huxley?
Vi uma palestra em que o escritor Ruy Castro descreve o momento em que ele aprendeu a ler. Os códigos que ele via espalhados em livros, nas ruas, abriram um mundo inimaginável. Como se fosse um novo sentido além da gustação, olfato, visão, audição e tato. E este novo sentido poderia despertar e potencializar os sentidos que ele já conhecia.
Achei fantástica esta descrição, e me fez ver a possibilidades de comunicação em outro nível.
Potencialização da comunicação
Quase sempre meus textos falam de tecnologia. Gosto de usar metáforas, analogias. Comparações com situações conhecidas e como grande parte da minha vida está envolvida com tecnologia, é natural eu usar este assunto nas minhas comparações.
Muito antes da fibra ótica houve diversos métodos de comunicação, todos com suas vantagens e limitações, seja de velocidade, alcance ou custo. Comunicação entre equipamentos; serial e paralela, USB. Internet discada, ADSL, Wi-Fi, fibra ótica. Algumas evoluíram, outras morreram ou se transformaram. Cada uma tem um custo-benefício e utilização mais adequada.
Mas e a comunicação humana evoluiu?
Pode-se dizer que sim, a escrita é um exemplo da grande revolução na comunicação. Tanto é, que é ela que divide a história da pré-história. Mas sempre estamos limitados com a velocidade de transmissão e recepção de mensagens.
Apps de mensagens ou vídeos têm a possibilidade de aumentar a velocidade, foram criadas linguagens, abreviações, emojis, ícones para acelerar a comunicação. Mas a melhoria na troca de informação humana nem chega perto da evolução da velocidade e qualidade da comunicação entre equipamentos.
Só como exemplo, iniciei com a internet discada, em 1996, com a velocidade de 4.800 bits por segundo (4,8 Kbps), hoje tem internet a 1.000.000.000 (1 Giga bits por segundo) ou mais.
Se pensarmos em segundos em vez de bits: 4.800 segundos (4,8 K) = 80 minutos e um bilhão de segundos (1 Giga) = 31,7 anos.
Interface Homem Máquina
Tive contato com o termo IHM ou Interface Homem Máquina logo que comecei a trabalhar com automação industrial. Teclados, displays e monitores que possibilitavam falar com uma máquina.
Existem outros termos em outras áreas tecnológicas, computadores, gadgets. Mas IHM parece mais literal nesta comunicação entre humanos e máquinas. Um volante, acelerador, freio, velocímetro não deixam de ser um “meio” de comunicação do homem com a máquina.
Esta comunicação evoluiu muito, a máquina aprendeu a ver, ouvir, sentir aromas, gostos, com sensores e espectrômetros. As informações visuais fornecidas pelas máquinas, em monitores e impressoras 3D são em alta definição.
A comunicação entre homens e máquinas sempre foi limitada, inicialmente por restrições da máquina e hoje a gangorra inverteu, a limitação é humana. Este desiquilíbrio já é bastante visível no mundo pré Inteligência Artificial, o que dirá quando a IA estiver num estágio avançado. O homem está na velocidade de uma internet discada e a IA está na velocidade da fibra ótica.
Uma nova IHM
Seria possível um novo meio de comunicação? Telepatia, algo ligado direto no cérebro, a tal de Neuralink?
Aconselho muito ver este vídeo do pesquisador David Eagleman, é só ativar as legendas para ver a tradução.
Se alguém não quiser ver o vídeo, que é muito bom, e ler a minha tosca descrição, aqui vai.
Primeiro, o cérebro “aprende” a ver, ouvir e sentir, por contato, aromas e sabores. Os sensores para os nossos sentidos estão nos olhos, ouvidos, pele, nariz e língua. Estes sinais são lidos pelos órgãos relacionados e transformados em impulsos elétricos para o cérebro, como um computador que transforma os sinais de entrada (inputs) em bits. Depois estes impulsos são decodificados, buscando padrões, e criando uma linguagem com um vocabulário. Cada sentido tem seu idioma, com vantagens para a sobrevivência, uns melhores para caça, coleta, defesa, identificação de perigo.
A audição permitiu criar a linguagem falada e não apenas se limitar a identificar os sons da natureza, chuva, predadores, caça. A palavra escrita ampliou a identificação de formas e imagens, usando a visão ou o tato para o formato braile.
Resumindo, o cérebro descobre significado nos impulsos elétricos que chegam a ele, seja pelos olhos, ouvidos, pele, nariz ou boca. E a partir destes sinais ele cria uma linguagem e depois um vocabulário para estes sinais com o objetivo de se comunicar com seu ambiente.
Os morcegos conseguem montar uma imagem através do som, uma ecografia, um radar e scanners 3D também. Eles emitem um sinal e captam a sua resposta, e através da diferença de tempo entre emissão e recepção, mudança de frequência do sinal eles montam uma imagem.
Se um cego receber sinais sonoros que expressam formas, imagens, de um modo padronizado, ele poderá reconstruir mentalmente a imagem como fazemos com a visão. Foram feitos testes colocando uma câmera de vídeo adaptada a um óculos que gera um padrão de sons. Então o cérebro vai decodificando e associando por comparação. A pessoa sente o objeto pelo tato e ouve a correspondência de seu formato. Este método ainda é bastante limitado, mas através de sons um cego consegue identificar formas básicas como esferas, círculos e quadrados.
“O cérebro não sabe de onde vêm os sinais, apenas descobre o que fazer com eles.”
David Eagleman, o pesquisador do vídeo que falei, criou um colete com diversos pontos que geram pequenas vibrações nas costas de uma pessoa, no caso um surdo. Esta pessoa não foi treinada a identificar quais locais correspondiam a tal som, ela apenas sente padrões conforme palavras são apresentadas visualmente. Depois de um tempo ela consegue identificar palavras, ou seja, ouvir através deste colete e dos impulsos gerados.
Foram realizados testes onde o colete enviava sinais sem o usuário saber do que se tratava, e ele deveria fazer uma escolha entre sim ou não e recebia retorno se a opção estava certa ou errada. Com o tempo as escolhas foram ficando mais positivas, o usuário passou a acertar mais, mesmo não sabendo o que ele estava escolhendo.
Os sinais que o colete enviava eram relativos à bolsa de valores, ou seja, o cérebro aprendeu a investir sem saber o que estava fazendo. Evidente que o teste está relacionado a um comportamento padrão da bolsa de valores, que não é totalmente previsível.
Também é citado no vídeo como pode ser interessante o uso destes coletes para operações complexas, como pilotar um avião. O piloto tem que estar constantemente atento a diversos sinais visuais e auditivos nos painéis. As informações das condições do avião, altitude, velocidade e emergências poderiam ser informadas por vibrações geradas no colete.
Nossos sentidos são muito complexos, a visão percebe muitas coisas além dessas letras que você está lendo agora, nossa audição capta tudo que está ao redor além da música que queremos ouvir. Se criarmos novos “sentidos”, interfaces de comunicação totalmente focadas, que só sente aquilo que interessa, talvez a comunicação seja mais eficaz.
Não entendeu o que foi falado, não acredita nisso? Veja o vídeo, lá tá bem explicado.
Nova linguagem para o cérebro
Sei que posso estar sendo prolixo, falando demais, e olha que quero falar milhares de outras coisas relacionadas ao assunto, mas estou tentando me controlar. Isto é normal em comunicação, dados que não interessam para passar uma mensagem.
Como melhorar a mensagem, eliminar dados, palavras, ruídos desnecessários?
Voltando à ideia de criar uma comunicação mais eficiente entre pessoas e máquinas. Normalmente utilizamos diversos sentidos para nos locomovermos, se fechamos os olhos perdemos o equilíbrio, se fechamos só um olho perdemos noção de profundidade, se tampamos os ouvidos perdemos um pouco do equilíbrio e noção de espaço, se saturamos os sentidos com ruídos, som alto, luzes e cores piscantes ficamos confusos.
O ideal seria que recebêssemos somente as informações necessárias para determinada tarefa, e todos os sentidos estivessem fornecendo em conjunto estas informações de modo orquestrado.
Muito se perde numa comunicação, seja por ruídos nos meios, como interferências visuais e sonoras. Se perde na linguagem, como eu sendo prolixo e enrolado ao escrever. O ideal seria uma comunicação limpa, sem perdas, para poder passar o máximo de informações no menor tempo possível.
Muito se perde em traduções, existem nuances de linguagem que não quero me aprofundar, até mesmo porque conheço muito pouco sobre isto. Mas se imaginarmos um livro em alemão que foi traduzido para o inglês e depois do inglês para português, vai ficar parecido com aquela brincadeira de telefone sem fio.
Falando de linguagens de programação, talvez você já tenha ouvido falar nas linguagens Python, Swift, Java, C++, Basic, são linguagens que programadores utilizam para falar com as máquinas, para dizer o que elas devem fazer. Os computadores, processadores, falam um idioma muito diferente, enxuto, otimizado, mas bastante fragmentado. A linguagem do programador deve ser compilada, ou traduzida de C++, ou Python, para o idioma do processador. Além de se perder muito nesta tradução de linguagem alto nível para linguagem de máquina, processador, perde-se muito no código gerado pelo programador. Por melhor e mais conciso que seja, ele sempre vai colocar “código” desnecessário na programação.
Imagino que o grande ganho de velocidade de processamento, de memória e de energia no mundo de TI surgirá quando a IA criar a sua própria linguagem de programação. Isso sem alteração nenhuma de hardware.
Essa nova linguagem sensorial, com uso de coletes, fitas adesivas no corpo, que criam vibrações ou micro choques, ou qualquer outro tipo de interação. A princípio podem ser um único idioma. Um alemão, japonês, árabe, brasileiro, entenderiam os mesmos sinais. Esta linguagem poderia ser otimizada para ser o mais enxuta e eficiente possível, sem palavras desnecessárias, o que possibilitaria receber mais informações em menos tempo.
Nova Linguagem para as máquinas
Não é necessária uma otimização da linguagem por parte da máquina, pois hoje a grande limitação está do lado humano, seja na velocidade de recepção ou transmissão de informação.
Falando em transmissão humana é perceptível o quanto os meios interferem na mensagem. Normalmente uma mensagem é bem mais concisa, formal, quando escrita do que quando falada. Numa mensagem de voz pode-se eliminar muitas palavras que não servem para nada, o processo de escrita pede uma melhor organização da mensagem, eliminação de palavras sem necessidade.
Imagine uma máquina recebendo uma mensagem falada como a seguinte:
-Oi, tudo bem, é o seguinte, quero te falar uma coisa, é que, sabe, tipo ir naquele esquema que tu falou? É que tipo terça feira o fulano, tipo não vai, sabe como é o fulano né? Tipo nunca tá disponível né? Então não vai dar para ir lá na terça tá?
Tudo para dizer: Não vou no evento de terça-feira.
Hoje existem técnicas dê leitura corporal, algumas aceitas pela ciência como dilatação da pupila, resistência galvânica e temperatura da pele. Ou então outras, sem comprovação científica, como microexpressões defendida pelo psicólogo Paul Ekman, a ideia que pode ser observada no seriado Lie to Me. Aqui eu poderia inserir o meu ídolo, o neurocientista António Damásio e sua teoria que a linguagem humana foi desenvolvida a partir da necessidade de expressar sentimentos, mas daí nunca terminaria o texto.
Voltando. Estas outras fontes de informações, pupila, pele, talvez até microexpressões, poderiam somar ao que os humanos expressam em palavras faladas ou escritas. Tudo isso poderia ser auxiliado pela Inteligência Artificial, ao aprender a ler sinais não verbais individualmente, mas isto seria um perigo, pois como diz o médico do seriado Dr. House, -Todos mentem. Se muitos mentem para médicos, psicanalistas, na verdade para nós mesmos, como enfrentaríamos máquinas que leem coisas que não queremos ver, não queremos admitir?
Concluindo
Por mais que otimizemos a comunicação para absorvermos mais informações, teremos problemas de absorção, seja por ser necessário refletir para assimilar um conteúdo ou cansaço mental e outras limitações.
O ideal seria poder inserir conteúdos e aptidões direto no cérebro, fazer um download de conteúdo como no filme Matrix, eu não acredito em tecnologias assim no futuro. Outra opção é acreditar que o “google” contém todas as informações e não precisamos assimilar nada, afinal todas as respostas estão disponíveis facilmente em algum lugar.
Eu prefiro acreditar que o ideal é tentar obter comunicações com mensagens otimizadas, bem escritas ou faladas. Como temos limitações de velocidade de absorção, usar tempos ociosos para ler ou ouvir algo bem redigido.
Quando informações estão armazenados na memória, o acesso a elas e a conexão entre assuntos diversos é super-rápida. O problema é colocar mensagens dentro do cérebro. Mas uma vez lá dentro, a interação entre eles é instantânea. E quanto mais diversos forem os assuntos, quanto mais o cérebro for treinado, mais rápida será a absorção externa de novos conteúdos.
Trate com muito carinho e faça jus a este mecanismo maravilhoso que é a mente humana.
Dicas
Uma música: Language Is a Virus, Laurie Anderson.
Um filme: Arrival, ou A Chegada, Denis Villeneuve. Um dos meus filmes preferidos e de um dos meus diretores favoritos. Uma aula sobre linguagem e todas as suas possibilidades.
Livros que li e estão relacionados:
Aqui vou colocar somente os com relação direta, se houver interesse posso indicar outros.
Como o cérebro cria: O poder da criatividade humana para transformar o mundo, David Eagleman. O autor é quem apresenta o vídeo que comento
Curso de linguística geral, Ferdinand de Saussure.
Como Ler Livros, Mortimer J. Adler, Charles van Doren
Todo Mundo Mente, Seth Stephens-Davidowitz
História da sua vida e outros contos, Ted Chiang Livro com o conto que baseou o filme A Chegada.
Séries:
Dr House, Apresenta técnicas de diagnóstico médico, mas é uma aula de como uma mente aberta e multidisciplinar pode auxiliar a chegarmos a conclusões em todas as áreas. Além de ser muito divertido e bem interpretado.
Um texto:
Resumo de um livro onde eu falo que árvores, ao modo delas, também se comunicam.
Não sei se tu consegue ver o que destaquei, João, mas o inicio de tua descrição do vídeo (que diga-se, não tinha conhecimento) foi parte dos argumentos que usei para convencer minha psiquiatra a não usar antidepressivos. Ela se convenceu. Mas hoje sei, que tenho que reconsiderar!